Nas últimas semanas, graças à postagem do jovem Felipe Neto, ganhou corpo no debate público a discussão sobre a obrigatoriedade da leitura dos clássicos, como o velho e bom Machado, durante o Ensino Médio.
Devo admitir que esse é o tipo de coisa que me irrita um pouco, pois eu abordo esse tema há anos e é preciso vir um youtuber falar disso para que a problemática entre na pauta do dia. Tudo bem, guardo-me à minha insignificância, mas que isso machuca, machuca. Por outro lado, a vinda à tona desse assunto me foi muito positiva, uma vez que pude mudar alguns posicionamentos após ler boas análises de pessoas qualificadas para tanto.
A priori, sempre fui partidário de que é, se não um crime, ao menos um absurdo muito grande obrigar que um adolescente de 15, 16 anos, explodindo em hormônios, leia Eça de Queirós, Camões e toda aquela patota e, não só leia, como tenha de responder a intermináveis questionários sobre suas obras, questionários esses no qual, estou certo, os próprios autores não lograriam êxito. E quem diz isso não sou eu, mas o Mario Prata, que já escreveu uma crônica maravilhosa a respeito.
Sendo assim, costumava encerrar a discussão garantindo que era melhor que essa turma lesse algo menos grave e muito mais interessante, como o próprio Mario Prata – de quem sou fã confesso e que, curiosamente, foi quem gerou em mim todo e qualquer interesse que eu tenha em literatura e na língua portuguesa de modo geral. No entanto, como eu disse, essa presente discussão me trouxe novos pontos de vista, os quais me levaram a mudar um pouco de posicionamento.
O primeiro deles é a questão da oportunidade. Eu, Felipe, sempre tive acesso ao panteão dos grandes autores lusófonos, de modo que, se eu não estava muito interessado em frequentá-los no ápice da adolescência – e, de fato, não estava –, pude, muito bem, debruçar-me sobre eles anos depois, extraindo o melhor da experiência. O fato é que sou um privilegiado (e digo isso sem nenhuma militância, apenas constatando o fato de que uma parte chocante da população nunca abriu um livro na vida, não por preguiça, mas por falta de acesso a eles) e pude me permitir esse movimento tardio. Mas e aquela grande parte da população que, se não no colégio, a fórceps, dificilmente terá uma outra oportunidade de cruzar com o velho Machado pelo caminho? Como, então, tirar desse camarada a única oportunidade – ou, sendo muito otimista, aquela primeira faísca que fará com que ele pegue gosto pela coisa e vá atrás por meios próprios no futuro – que ele terá de visitar o fino da literatura nacional? Eu, particularmente, não conseguiria dormir à noite de tanta culpa.
Bem, vamos à famigerada matemática. Até onde posso me lembrar, nunca me foi apresentada a oportunidade de amenizar os cossenos, substituindo-os por agradáveis somas, por exemplo. Nada disso. Tive de lidar com essa – ao menos para mim – absoluta estupidez que são senos, cossenos, fatoriais e seus congêneres não menos insuportáveis. Lidei e nunca usei nada disso. Lidei, atravessei, aprovei e não sei nada disso. Mas, enfrentei. É o que importa. Sei que existem. Então, meu jovem, sinto muito se o velho Machado e sua turma aborrecem você e seus amigos, se estão a lhe causar pesadelos e, quiça, ojerizas pelo nosso vernáculo, mas encará-los e vencê-los será necessário.
Por fim, reitero algo em que sempre acreditei: a necessidade de o mestre pegar na mãozinha do aluno e fazer com ele, lado a lado, todo esse árduo percurso. Essa é a chave do sucesso. Sem uma belíssima introdução, uma adequada contextualização e um envolvente acompanhamento, é praticamente impossível que um adolescente ávido por sua primeira penetração consiga sacar as maravilhas de um Brás Cubas.
Dito tudo isso, registro meu posicionamento final. Acho, sim, bastante violento e vil submeter um jovem imberbe às asperezas, armadilhas e complicações da nossa alta literatura, porém, passar por ela e vencê-la é totalmente necessário e saudável. Seja para que o aluno tenha como mera referência (o famoso “ouvi falar”), seja para que dali nasça a paixão, seja para que todos nós tenhamos, afinal, o mesmo repertório. O grande desafio, então, está nas mãos dos professores, responsáveis, em última análise, por fazer daquele xarope intragável algo minimamente palatável.
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